Coletivo de grupos e criadores independentes das artes cênicas em Recife, Pernambuco. Nasceu da necessidade de diálogo entre os artistas sobre as linguagens cênicas, buscando a manutenção dos trabalhos de pesquisa e investigação teatral.

Em encontros semanais são realizadas vivências práticas e teóricas sobre a reflexão e o questionamento do fazer teatral contemporâneo em seus aspectos poéticos, estéticos e políticos.

Traga sua experiência também!

Encontros semanais

TODAS AS TERÇAS, ÀS 19H!
No Espaço Compassos
Rua da Moeda, 93, 1º andar, Bairro do Recife. (Entrada pela Rua Mariz de Barros – casa rosa com janelas amarelas)

Como participar:

1º passo: Procure um dos membros das Comissões através do email: colaborativopermanencia@gmail.com;

2º passo: Apareça para conhecer as atividades do coletivo, nos encontros semanais das terças-feiras.

14 de mar. de 2010

PRÓXIMO ATO






Um Encontro Possível

A vivência de cinco dias entre representantes de grupos de todo o Brasil, no projeto PRÓXIMO ATO, do Instituto Itaú Cultural, realizado de 03 a 07 de novembro, do ano de 2009, parece ter evidenciado a importância de uma busca urgente por melhores e mais eficientes formas de convívio e vínculos, por investimentos para as criações artísticas e por um público que possa valorizá-las, justificando-as cotidianamente como uma necessidade.

Seriam essas questões unidades básicas para a significação da atividade teatral e suas inúmeras ramificações na economia da cultura? E ao se tomar conhecimento das experiências particulares de cada estado da federação, prova-se que não há ainda uma maneira comum de se lidar com ela, sem uma política cultural nacional, principalmente quando se sabe que a lei Rouanet, principal mecanismo do governo federal de incentivo à cultura, nem serve a todos de forma igualitária, visto que a região sudeste detém a maioria dos investimentos e que o Norte do país não lança mão desses, por possuir áreas onde ocorre a isenção fiscal para as empresas (as zonas francas). Sem falar dos módulos de financiamento dispostos em alguns editais (como o Prêmio Myriam Muniz de Teatro 2009) que privou o Acre, Amapá, Rondônia, Roraima, Amazonas, Pará e Tocantins de executarem projetos artísticos de mais de 80 mil reais, quase que acusando os produtores locais de alguma possibilidade de ingerência dessas verbas e não levando em consideração o chamado custo amazônico (que compreende os altos preços das passagens aéreas entre os estados da região), as particularidades do deslocamento fluvial, as distâncias entre as cidades e de outras limitações impostas por partes das companhias de viação aérea, de levarem os materiais de cena em seus compartimentos.


Muito diversas são as falas, os sotaques e a maneira como são defendidas estas ou aquelas causas por parte dos agentes culturais de cada região. É sabido que as queixas do Sul diferencem-se das do Nordeste, do Centro-oeste e assim por diante, dado seus momentos históricos, sociais, políticos e econômicos. O sonho de ser beneficiado pela já citada lei Rouanet e de ter participado da extinta Redemoinho (um dos movimentos que tiveram maior eco na opinião pública e perante o governo) fica e ficava ainda mais longe de alguns do que de outros, por centenas de motivos. Seria mais que previsível que ao se encontrarem as inúmeras realidades se estranhassem por não possuírem um diálogo corrente. Daí nasce a necessidade de o governo brasileiro, se quer mesmo possuir uma cultura teatral “potente” (palavra tão usada durante todo encontro), tem de promover anualmente um Fórum Nacional, onde cada unidade federativa exponha suas especificidades produtivas e culturais e que se possa então pensar em iniciativas de fomento artístico. A proposta foi lançada e se configurará em documento endereçado ao Ministério da Cultura e a FUNARTE como uma alternativa viável, paramentando-se na experiência do PRÓXIMO ATO. O nome da ação será I CONFERÊNCIA NACIONAL DE TEATRO LIVRE, ou ainda, LIVRE CONFERÊNCIA NACIONAL DE TEATRO.

Ações e Relações

Com vista a tudo que foi dito e ouvido nas palestras, na prática performática de Eleonora Fabião e nos Open Spaces (espaços abertos para a discussão de temas), ficam como ponto de questionamento as relações que firmamos entre o poder e o nosso imaginário. Será que não estamos construindo muros inquebráveis, intransponíveis a nossa frente? Será que devemos sucumbir a uma Utopia de Coletividade e não tornarmo-nos seres-artistas mais dinâmico dentre das esferas públicas e privadas, mesmo que independentemente, exercendo o mais importante poder dado a quem habita a Pólis, que é o da cidadania?

Parece que já estamos a apontar para um outro momento da nossa história. O que o Nicholàs Boudriaud (Francês palestrante no evento) chama de Estética Relacional instaura uma relação entre o precário e sua função de desestabilizar as impressões de um poder imutável que nos são impostas. Isso talvez não tenha a ver apenas com um marxismo aparente, mas tenha muito do mais íntimo propósito de empoderamento estético e poético. Artistas em diálogo com o publico, desprezando a exaltação da passividade contemplativa. E para ambas as partes, jamais estáticas à obra e sem nenhum vestígio de uma relação subordinada. O compartilhamento de pensamentos vivos!

O casamento entre as práticas de Nicholàs Bourdriaud e da performer Eleonora Fabião (Brasil) soou como a grande diretriz reflexiva do PRÓXIMO ATO, sendo enriquecidas pelos encontros entre os teóricos Thies Lehmann (Alemanha) e Paulo Arantes (Brasil), que discursaram acerca das políticas da subjetividade e do pós-dramático. Na oficina de Eleonora Fabião, apostando no poder da junção entre performance com o teatro, sendo simples e muito focada na sua condução, repassa a sistemática de um corpo performático e suas incumbências dentro do espaço urbano em atitude de intervenção. A todo instante, a ministrante colocava-se perante 78 participantes de maneira muito acertada, seja conceitualmente, seja delegando afazeres e enunciados, qualificando corporalmente e mentalmente o pensamento sobre o instante que se faz no agora, no aqui com o que se tem à mão, validando o encontro e o ato em si. Essa força moveu todo o percurso da oficina. Eleonora mostra que a dramaturgia pode ser tratada de maneira móvel, apoiando-se em conceitos de Eugênio Barba, diz que tudo o quê acontece em cena pertence a uma seara dramatúrgica. Nem só de palavras vive o teatro! E aponta para uma suave preocupação: Ao invés de se buscar formas de fazer, perseguir tendências por onde fazer!


O Lado Público da Arte


Tem-se público considerável para esse diálogo? Ou será que se lida com uma numerosa massa populacional mutilada, incapaz de entender nossas proposições cênicas? Isso interessa verdadeiramente para ela? Talvez ainda se fará arte para poucos até que se resolva o problema da desinformação e do desconhecimento no Brasil? O público, para efetivar-se na transformação total e mais uma vez “potente”, nascerá juntamente da implantação dos sistemas de educação e segurança, que por sua vez gerará um exército de homens e mulheres bem situados social e politicamente, para daí então surgir uma necessidade de “consumir” arte, possuindo a instrumentalização intelectual para codificar e recodificar a informação recebida pelas propostas artísticas que lhes forem apresentadas.

Por agora pergunto: será que não se está exigindo etiqueta à mesa para uma maioria que ainda tem fome de pão e água? Como esperar que se comportem bem uma multidão de famintos em frente a um suposto suflê?

Inserção das artes cênicas nas grades curriculares das escolas, apresentando-as como bem cultural da nação, assim como importante ramo da economia nacional, por gerar e movimentar divisas para o país e posicioná-lo mundialmente é um fundamento básico para a construção de novos parâmetros sociais, onde se valorize o trabalho de toda uma classe profissional e abra a possibilidade de consumo e assimilação do produto artístico como uma prioridade na vida privada de futuros cidadãos.

Um evento do porte do PRÓXIMO ATO teve a sua tarefa cumprida. Durante três anos a equipe construiu uma relação estreita com os grupos de cada região. Ainda que de maneira pincelada, pois não abarcou a totalidade dos artistas de cada estado, a atitude o Instituto Itaú Cultural proporcionou o contato aprofundado com os que integraram as atividades, configurando-se num ambiente profícuo para desenvolvimento de relações estreitas entre artistas, teóricos e produtores.

O que fica é a elaboração de um edital específico para o teatro, complementando as ações de patrocínio cultural da instituição, que até então já contemplava a dança, a música, as artes visuais, a literatura, arte e tecnologia, pesquisa, cinema e vídeo, educação e jornalismo cultural. O edital Rumos - Teatro do Itaú Cultural será lançado aproximadamente em março de 2010, incentivando a investigação entre grupos de pesquisa continuada.

Realidade em Pernambuco: Luzes e Sombras dentro e fora da cena

Quando estamos longe de nossa morada, no meu caso, o estado de Pernambuco, tudo parece que vai clareando e somos capazes de refletir determinadas características que imersos em nosso cotidiano fica difícil de perceber. O que se segue é o início de uma observação que pretendo estender posteriormente numa análise mais aprofundada do ambiente teatral pernambucano no ano 2000, focando nas movimentação cultural da cidade do Recife, para onde acabam se encaminhando muitas das produções de outras cidades.

A partir de suas matrizes culturais e uma tradição literária fortíssima, Pernambuco foi construindo a sua dramaturgia e a sua cena teatral. Dessa herança nasceram nomes importantes que ainda hoje figuram entre os maiores do teatro brasileiro.

Traçando um paralelo da produção pernambucana com a produção nacional, nos anos 2000, notamos uma perpetuação hegemônica da palavra no contexto cênico. Ainda são raras e pouco incentivadas as experiências onde o conteúdo verbal não esteja posto a frente. Esse tipo de valorização deu vazão a uma experiência que não aprofundaria o contato do ator com o seu corpo dramatúrgico. Um corpo falante independente da palavra dita na boca!

Para comungar com o mais pungente pensamento teatral contemporâneo, os artistas pernambucanos devem encontrar amparo para investigar caminhos múltiplos que o levem a experienciar com fluidez a sua matéria carnal, seu corpo e sua voz, como partes integrantes do discurso. Com isso posto em prática, quaisquer textos (a noção de texto aqui usada ultrapassa o signo verbal) será libertária e sedimentará novos horizontes artísticos, sintonizando o estado de Pernambuco nas discussões acerca das novas dramaturgias e metodologias para treinamentos de ator.

O incentivo propício para esse tipo de experiência deve vir da parte das comissões julgadoras dos editais locais de incentivo à cultura, priorizando um olhar analítico que vá além da atenção prioritária voltada aos textos escritos previamente. Deve-se entender, por exemplo, que um texto poder ser escrito durante o processo de montagem e que um texto clássico pode ser fragmentado e reconsiderado de acordo com o ponto de vista do criador da cena.

Percebe-se uma falta de traquejo de alguns atores e diretores pernambucanos, quando se vêem sem o suporte textual em mãos. A sensação, por falta de uma técnica de encaminhamentos para esse tipo de trabalho, é de total vazio e abandono, quando isso deveria ser exatamente o oposto, ou seja, um ponto de estímulo: a edificação de uma estrutura autoral.

Os desacertos são frutos de um histórico que supervalorizou as experiências de leitura de mesa e ensaios, cujas trajetórias e emoções dos atores já vinham marcadas. Esses resquícios marcam os nossos dias até hoje. Um tipo de prática, a qual não converge para o diálogo com outras cenas teatrais Brasil a fora e de fora do Brasil.

É preciso dar valor devido às outras formas de se construir o espetáculo.

CARLOS FERRERA
Ator/ Cantor, Compositor, Dramaturgo, Diretor/ Encenador, Preparador Corpo-Vocal, Pesquisador e Diretor Artístico da Cia. Santa-Fogo

Atuou como representante de Pernambuco e do Colaborativo Permanência, no Próximo Ato (evento do Instituto Itaú Cultural) em Novembro de 2009.

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